A gostosona do colegial


Alguém disse que a vingança é um prato que se come frio. Às vezes é preferível não comê-lo. Sabe aquela menina do colegial, a mais gostosona da turma, que nunca lhe deu bola e deu para todo mundo – mas também quem mandou você ser CDF(*) – a mulherada não gosta de cérebro nesta idade (creio que em idade alguma!), elas querem ação, e CDF pensa muito e não faz nada. Pois é, um dia você irá encontrá-la novamente. Isso é uma lei inexorável da natureza: vinganças exigem reencontros. No supermercado, por exemplo, a antiga menininha gostosa passa perto de você. É lógico que você não a reconhece, agora ela é uma senhora, loira e de rosa-choque. Na cara sinais de pelo menos duas plásticas e uma massa corrida para cobrir o que o bisturi não deu conta. Tirando a barriguinha, que espera urgentemente a intervenção de um outro bisturi para uma lipo, você julga que ela ainda dá uma meia-sola, pelo menos uma trepada sem compromisso, numa segunda-feira de chuva.
Ela vai diretamente para o ataque:
“Oi, você por aqui?”, diz, fingindo surpresa, pois seguiu você o tempo todo no mercado.
“Oi, é...”, você tenta responder, visivelmente embaraçado, concentrando-se para não derrubar a garrafa de vodka da prateleira.
“A Sulyan, lembra?”
“Ah, sim! Terceiro ano, na Escola Técnica, certo!”
Papo vai e papo vem... Na fila do caixa ela emenda:
“Comprei um vinho francês, quer prová-lo em casa?”
Você não sabe como reagir ao choque do atropelamento súbito. Felizmente o celular dela toca e Solyan atende:
“Alô...Sim, vovó leva você no parque amanhã, queridinho!”
Você ainda está tonto, ela desliga o celular e dá o ultimato, crente que ainda está com a bola toda:
“Vamos, estou tão sozinha...!”
Você não resiste. Na realidade você é uma grande alma e detesta ver a solidão nos olhos das pessoas, mesmo que estes olhos se escondam por debaixo de enormes cílios postiços.
Já no apartamento dela, com o vinho aberto, naquele roça-roça, naquele vai-e-vem, você certifica-se de como o tempo é sacanamente cruel com as mulheres. O peito direito dela ainda está firme, mas o esquerdo! E a bunda então, de longe parecia-se com duas bolas de boliche. Foi ela tirar a calcinha para você lembrar-se imediatamente do solo lunar. Parece que o último que esteve ali era amigo de Armstrong, na primeira missão tripulada à lua, na Apolo 11. Ela fica excitada e diz o terrível “venha”. Você, apavorado, se afasta, pega o paletó, corre para porta, se atrapalha com as chaves e antes de sair correndo grita:
“Niii!”

(*) - Cu de Ferro - Expressão usada em certas regiões do Brasil para designar um cara muito ligado nos estudos e geralmente estúpido, um nerd.

J. Fernando Nandé

Um adeus para a Curitiba Polaca


José Fernando Nandé


Curitiba deixou de ser polaca. — Quando? — Há pelo menos três décadas. Quando se despejou no Norte do Paraná a geada negra que pôs fim aos verdes pés de café que brotavam da terra roxa. O ano era o de 1975, coincidentemente o ano da última neve na capital.
Depois da tragédia que dividiu a história do Paraná em antes e depois da geada, a população das novíssimas cidades do norte paranaense viu-se obrigada a procurar outros cenários para a realização de suas esperanças, pois o homem não se faz vivo sem esperanças. Com exceção de três grandes centros urbanos, Maringá, Londrina, Curitiba — e mais tarde Foz do Iguaçu, com a construção da usina de Itaipu — as cidades paranaenses começaram a minguar, quando não a desaparecer por completo, principalmente as dependentes da monocultura cafeeira.
À medida que a região setentrional se esvaziava, com rotas migratórias definidas para regiões do Mato Grosso e outros estados mais ao norte do país, uma grande leva de ex-agricultores saiu de suas cidades para engrossar as franjas urbanas, notadamente a de Curitiba, capital do estado com vocação acadêmica, administrativa e habitada por mais de século por povos oriundos da Europa.
Assim, em bairros predominantemente polacos, habitados por italianos e poloneses — São Brás, Campo Comprido, Órleans e até mesmo Santa Felicidade — que se colocavam no caminho da planejada Cidade Industrial de Curitiba, cresceram os conjuntos habitacionais e as sub-habitações, conhecidas como favelas. Com a industrialização resolveu-se em parte o problema do emprego. Curitiba não mais era somente dos estudantes e dos funcionários públicos e os antigos bairros bucólicos ganharam massas de operários e trabalhadores com um sotaque bem brasileiro que se funde aos antigos dialetos. O curitibano fala hoje uma nova língua que ainda está em processo de formação, com uma gramática própria, que incorpora expressões polacas, gaúchas, mineiras, catarinas e paulistas.
A Curitiba do “leitê quentê” é como um velho cartão postal amarelado da Praça Tiradentes ou do Passeio Público. Em nossos dias, a polaca da pele alvíssima e olhos azuis só tem existência garantida nas páginas dos contos do Dalton Trevisan. Ela, se ainda existir, não vai à panificadora comprar “salame, vina, pão bengala e cuca”. A poloca, esta nova polaca, vai para a padaria cantando um pagode e compra mortadela, salsicha, pão e bolo. Broa com banha nem pensar. Os tempos são outros, pão com margarina será a pedida.

Quem escreve

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Prof. José Fernando da Silva (Nandè) - Cientista de Dados (USP), especialista em Economia do Trabalho (UFPR), graduado em Comunicação Social e Matemática.